segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A repressão travestida de proteção

Luiz Fernando Rodrigues*

Como você se sentiria se fosse abordado/a pela polícia por circular em um espaço público fora do horário determinado por lei? Se você respondeu que se sentiria incomodado/a, há de concordar comigo que a lei do toque de recolher enfatiza um preconceito, ou seja, qualquer pessoa que seja abordada por uma autoridade policial se sente criminalizada. É o que estão tentando fazer com os jovens e adolescentes.

Criar leis para recolher o cidadão (seja adolescente, jovem ou adulto) de um espaço que é público é assumir a incompetência das autoridades frente aos problemas de violência e (in)segurança que vivemos hoje, pois o espaço público já não é mais um local adequado para convivermos. Quando a lei é personalizada para o jovem ou adolescente, isso se torna ainda mais grave: estamos transferindo a este jovem ou adolescente a culpa por ele não poder estar ou circular por determinado local.

O espaço público é o local de construção da identidade, onde o/a jovem tem a oportunidade de entrar em contato com o diferente e, mesmo diante de conflitos, construir sua personalidade, é o espaço da felicidade do jovem. Quando criamos leis no sentido de privá-lo desta convivência, estamos subsidiando uma prática que, infelizmente, tem sido comum e que é apontada como uma das principais causas da violência: o individualismo. É no ambiente privado, ou seja, sem o contato com o diferente, que se cria este sentimento de que o diferente deve ser encarado como nocivo.

Outro fator que deve ser levado em consideração é o de que a violência está mais presente no espaço privado (doméstico) do que no espaço público e que, mesmo no espaço público somente 0,06% dos crimes contra a sociedade são praticados por jovens e adolescentes. Então uma pergunta é inquietante: se somente uma pequena parte dos jovens/adolescentes são responsáveis por crimes e a maior parte da violência começa dentro de casa, porque privá-los do uso dos espaços públicos e criminalizar toda uma geração?

Um dos argumentos mais utilizados é de que a opinião pública apoia esta iniciativa. Cabe analisar verdadeiros crimes cometidos por autoridades em nome da opinião pública: o governo nazista de Hitler, por exemplo, estabeleceu toque de recolher aos judeus e depois os matou em um genocídio cruel condenado, hoje, por todos. Também o governo americano, na mesma época, restringiu acessos a imigrantes de outras etnias. Preocupa-me quando discutimos temas como toque de recolher e a redução da maioridade penal como se fossem a resolução de todos os problemas de violência que assolam a sociedade, tudo isso em nome da opinião pública. Talvez dentro de alguns anos estejamos discutindo formas de também eliminar a juventude, fazendo com que as pessoas nasçam já adultas ou que antes de nascer, o cidadão seja preso porque ele tem genes que o definem como um possível criminoso no futuro.

Estabelecer leis que suprimem direitos conquistados a partir de lutas históricas é, com certeza, um retrocesso da democracia, uma verdadeira ditadura, onde o estado (representado pelos poderes legislativo, judiciário e executivo) por incompetência e com o apoio de pais que não cumprem com suas responsabilidades para com seus filhos/as, estabelece quem e quando se deve ir a determinado local e horário.

Com certeza este não é o caminho. A verdadeira saída para o problema da violência entre os jovens e adolescentes é a efetivação do ECA enquanto lei que protege e que garante penalidade àqueles que o infringem (tanto pais como adolescentes infratores e até agentes públicos) e a construção de políticas públicas para a juventude, criando espaços públicos adequados às práticas culturais, esportivas e educacionais, formando verdadeiros cidadãos conscientes de seus direitos e deveres.


* administrador, educador, dirigente da APP Sindicato Maringá e faz parte da equipe de assessoria da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Maringá
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Luiz Fernando Rodrigues
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