sábado, 19 de abril de 2008

infidelidade

Pesquisa recente sugere que o ciúme pode ser o começo do fim de um relacionamento
Publicado em 13/04/2008 | Daniela Neves - danielan@gazetadopovo.com.br

Perder a admiração, o amor de alguém em função de um ciúme acima do normal não é somente história de novela. Uma pesquisa feita pelo psicólogo Thiago de Almeida, para sua dissertação de mestrado, defendida no ano passado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), mostra que este sentimento é uma maneira certeira de destruir uma relação. O estudo conclui que quanto maior o ciúme, maior a chance de ser traído.

O pesquisador entrevistou 45 casais paulistanos heterossexuais, de diferentes idades e classes sociais, com pelo menos seis meses de relacionamento. Os participantes responderam questionários sobre comportamentos relacionados à infidelidade. Os resultados comprovam a hipótese de que o ciúme excessivo é capaz de desencadear o comportamento infiel do parceiro. A explicação é que os conflitos constantes minam a qualidade do relacionamento, fazendo com que o temor se concretize.

Para o psiquiatra e psicoterapeuta Eduardo Ferreira-Santos, não existe ciúme “normal”. É sempre patológico e sinal de que alguma coisa não está bem. Ferreira-Santos é médico-supervisor no Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Autor de dois livros sobre o assunto (Ciúme – O Medo da Perda e Ciúme – O Lado Amargo do Amor), ele fala em entrevista ao Viver Bem sobre o comportamento do ciumento, que pode sofrer do mal de uma maneira leve e até aproveitar o sentimento para questionar-se sobre a própria dificuldade de lidar com o outro. Mas pode também chegar ao sentimento patológico, a conhecida “síndrome de Otelo” – em referência ao personagem shakespeariano –, que leva a pessoa a cometer atos de extrema agressividade.

Como o ciúme pode ser definido na Psiquiatria? O ciúme pode ser compreendido como um sentimento complexo ou, melhor ainda, um complexo de sentimentos. Na origem dele pode estar desde um sentimento de posse pelo outro até uma auto-estima baixa. Na verdade, este sentimento expressa uma dolorida sensação de ameaça de perda, seja efetivamente do outro ou mesmo uma ferida no seu amor-próprio pela competição com o suposto “rival”. É um sentimento egoísta, voltado para quem o sente e não para o outro propriamente.

Ciúme é um sentimento comum, não só em relações amorosas, como nas de amizade. Ele traz algo de bom? Na minha opinião, a única coisa de bom que o ciúme traz é um “sinal de alerta” de que algo de errado está acontecendo. Costumo compará-lo a uma dor física que, embora seja normal (todo mundo sente) quando aparece, é indicativo de alguma coisa está funcionando errado no organismo da pessoa. Mesmo que seja uma dor causada por um trauma físico, há algo errado, há uma lesão.

Mas não é ao mesmo tempo um sentimento de proteção? Não. O verdadeiro sentimento de proteção, voltado para o outro e não para si mesmo, é o zelo. A diferença entre esses dois sentimentos é sutil, mas o zelo tem como característica essencial a busca pelo bem-estar do outro, enquanto o ciúme resulta de uma ameaça ao si mesmo daquele que o sente. É comum as pessoas confundirem estes sentimentos e se apegarem a uma pessoa ciumenta acreditando que ela a protegerá de tudo e de todos. Com o tempo, perceberão que caíram em uma armadilha, pois aquilo que parecia um ninho se torna uma gaiola, uma prisão e a vítima um verdadeiro “seqüestrado emocional”.

Seqüestrado emocional? Quem usou pela primeira vez essa expressão foi o psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung, discípulo dissidente de Freud e criador da Psicologia Analítica. Jung utilizou a expressão para designar aquelas pessoas que, por diversos motivos de fraqueza emocional, se atiravam a relacionamentos com pessoas aparentemente mais poderosas e que poderiam lhes dar a proteção que seu ego frágil precisava. Estas pessoas poderosas, no entanto, estabelecem relações de aprisionamento e dependência de seus parceiros que, ditando-lhes regras e normas de vida, chegam a criar um verdadeiro cativeiro, uma “gaiola de ouro” em que a vítima não consegue seguir rumos próprios em sua vida.

Como lidar com o ciúme para não sofrer? Para quem está sofrendo com o ciúme, o primeiro caminho é tentar encontrar as causas efetivas deste sofrimento. “O que será que está me fazendo sofrer tanto?” deve ser a pergunta inicial. A partir daí é bom procurar melhorar a auto-estima, agregando valores reais a si mesmo e aprendendo a viver sem depender de uma outra pessoa. Se não for possível encontrar a resposta sozinho, o caminho é uma psicoterapia.

Uma pesquisa feita em São Paulo concluiu que quem sente ciúme tem mais chance de ser traído. O ciumento se torna uma pessoa muito “chata”, um vigilante do comportamento do outro, um eterno encrequeiro. O ciumento tolhe a liberdade de seu parceiro, imaginando situações e gerando um clima de muita instabilidade, brigas e irritação na relação. O outro pode se cansar disto, afasta-se do parceiro e isso pode deixar uma porta aberta para que surja uma terceira pessoa.

Quando o ciúme se torna patológico? Acredito que o ciúme é sempre patológico, pois revela que algo de disfuncional está acontecendo com quem o sente. Mesmo na situação que considero a mais branda, do ficar enciumado, que ocorre quando há uma ameaça real – por exemplo, percebe-se que há alguém interessado em seu parceiro e ele corresponde a este interesse – o que há por trás disto é uma insegurança em relação a si mesmo e as suas qualidades e habilidades para manter o parceiro. Nesta situação, a pessoa enciumada está, ou imagina estar, em inferioridade em relação ao terceiro que ameaça, com o qual entra em competição. Por outro lado, há pessoas que são ciumentas por excelência e não precisam de nenhum estímulo concreto para se sentirem ameaçadas. Nestes casos, geralmente há uma base de transtorno neurótico ou de personalidade insegura que dá sustentação ao sentimento. Há que se considerar também não só o sentir ciúme, mas, também, a forma como a pessoa reage a isto, seja com ansiedade, medo, depressão, traços obsessivos compulsivos etc.

Geralmente o ciúme patológico é causado por outros distúrbios ou o ciúme pode causar doença em pessoas que não tinham, em princípio, tendência a ter problemas psíquicos? Sob o ponto de vista psiquiátrico, o verdadeiro ciúme patológico, conhecido como “síndrome de Otelo”, é um quadro bastante grave que ocorre em alcoolistas, usuários de drogas e outras pessoas vítimas de lesão cerebral. Aqui, há, de fato, uma manifestação do ciúme em que a pessoa não apenas desconfia do parceiro, mas tem certeza absoluta de sua infidelidade a partir de sinais puramente imaginários.

Tanto a literatura quanto a vida real mostram que o ciúme pode levar a crimes. Sim. As manchetes dos jornais estão repletas de crimes chamados de “passionais”. E são situações que poderiam ter sido evitadas se, desde o primeiro momento, a vítima não tivesse confundido proteção com posse.

* * * * *

Serviço

Ciúme – O Medo da Perda; Eduardo Ferreira Santos; ed. Claridade; R$ 39. Ciúme – O Lado Amargo do Amor; Eduardo Ferreira Santos; ed. Ágora/Summus; R$ 25,90. A pesquisa de Thiago Almeida pode ser acessada pelo site http://www.psiquiatriainfantil.com.br/teses/thiago_de_almeida

Nenhum comentário: